terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Hosti.pitalidade


O que é diversidade? De acordo com o dicionário Michaelis este termo pode ser entendido como: 1. Qualidade daquele ou daquilo que é diverso; 2. Diferença, dessemelhança: Diversidade de interpretações; 3. Variedade: Diversidade de dons; 4. Contradição, oposição. Em resumo: aquilo que é diferente ou que se opõe de algum modo a conceitos estabelecidos.

Tal definição fica mais patente quando entramos no âmbito do concreto das relações humanas em que identificamos determinados grupos que “aterrorizam” inquestionáveis esquemas conceituais do ocidente: o negro em relação à pureza da raça branca; a mulher em relação ao homem; os idosos em relação aos jovens; os homossexuais em relação aos heterossexuais; os índios em relação ao branco civilizado; os travestis; as prostitutas; os pobres; os miseráveis; os abandonados; os órfãos não apenas de pais, mas da sociedade; os apátridas; os imigrantes; os refugiados. Nesse sentido, são grupos em que se questiona, a partir de determinados paradigmas, não apenas as opções feitas por alguns, mas também o direito de sua própria existência.

São grupos que são aceitos mais pelo signo da tolerância do que pelo respeito sincero e concreto da diversidade, ou melhor, da alteridade. A tolerância, algo defendido geralmente por todos, pode transmutar-se em indiferença concreta diante do sofrimento do outro ser humano, pois, ao lado da tolerância caminha a consciência tranqüila que não se sente mais interpelada pelo sofrimento de outrem, como se ela não tivesse nada a ver com isso, sendo a consciência tranqüila a prova de uma inocência diante dos problemas do mundo.


--- O problema não é meu!
--- Eles são assim mesmo!
--- Pobre é tudo igual!
--- Calma você também é filho de Deus!


Mas, onde fica então a minha liberdade? As minhas opiniões e as minhas escolhas? Será melhor ser hipócrita e tratar todos com fingida aceitação ou ser honesto e manifestar aquilo que eu realmente acredito e defendo? Quando nós somos tocados pela proximidade de outro ser humano, em sua alteridade, como reagimos diante de tudo isso? Eis a questão! Questão que surge não de mim, mas de outrem que abala e coloca em questão minha espontânea e arbitrária liberdade. A relação com o outro ser humano se apresenta então como o núcleo duro e indecomponível na cadeia das relações, pois, tudo o que ocorre em mim e no mundo, como cultura, está voltado para esta presença singular: o outro homem.

O problema da receptividade dessas diferenças, ou melhor, o problema do acolhimento e da hospitalidade é evidente: como acolher a diversidade sem violentá-la? Violência que pode não ser apenas física, mas pode ser conceitual quando impomos nossos valores e crenças, um processo de evangelização cultural.

Para além da tolerância, somos todos hospitaleiros? Hospitalidade, hostis (em latim), significa hóspede, mas também hostil, inimigo (DERRIDA, 2003). Encontra-se implícita uma tensão no próprio termo hospitalidade, ou seja, o diferente, o estranho, o estrangeiro (hostis) recebido como hóspede ou como inimigo. Hospitalidade, hostilidade, hostipitalidade (DERRIDA, 2003). Ressaltamos, novamente, que a relação com o outro homem se mostra como experiência original na qual nenhum de nós pode se furtar, e é justamente a partir dessa abertura fundamental para outrem próximo, nessa tensão implícita no seu acolhimento, que nossa existência é uma constante decisão a favor ou não da responsabilidade com outro ser humano.

“Não se trata de duvidar da miséria humana – do domínio que as coisas e os maus exercem sobre o homem – da animalidade. Mas, ser homem é saber que é assim. A liberdade consiste em saber que a liberdade está em perigo. Mas saber ou ter consciência é ter tempo para evitar e prevenir o momento da inumanidade. É o adiamento perpétuo da hora da traição – ínfima diferença entre o homem e o não-homem” (LEVINAS, 1961).

Assim, recolocamos a questão: ser animal ou ser humano?

TEXTO ADAPTADO



REFERÊNCIAS:


DERRIDA, Jacques. Anne Dufourmantelle convida Jacques Derrida a falar Da Hospitalidade. Trad. Antonio Romane. São Paulo: Escuta, 2003.

LEVINAS, Emmanuel. Totalidade e Infinito (1961) Trad. José Pinto Ribeiro. Lisboa: Edições 70, 1980.

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